quinta-feira, 9 de junho de 2011

Urbana: MPE aponta uso de “laranjas” em contratações quarterizadas

Margareth Grilo
repórter especial

Na ação civil publica contra a Companhia de Serviços Urbanos de Natal (Urbana) que agora tramita na 3ª. Vara da Fazenda Pública, o Ministério Público Estadual levanta suspeitas sobre os subcontratos da Trópicos Engenharia e Comércio Ltda. As conhecidas "quarterizações de contratos" facilitaram o uso de "laranjas" por servidores da Urbana e pessoas ligadas ao sistema para agregar equipamentos, segundo denúncias do MPE.
Júnior SantosEmpresa de limpeza de Natal vem acumulando processos na Justiça, impetrados pelo Ministério Público. Diversos acordos para melhoria dos serviços de limpeza foram tentados, sem sucessoEmpresa de limpeza de Natal vem acumulando processos na Justiça, impetrados pelo Ministério Público. Diversos acordos para melhoria dos serviços de limpeza foram tentados, sem sucesso

Essas informações constam no processo que está disponibilizado na íntegra no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Segundo os promotores do Meio Ambiente, João Batista Machado, e do Patrimônio Público, Sílvio Ricardo Gonçalves de Andrade Brito e Rodrigo Martins da Câmara, "os laranjas agregavam  equipamentos em troca de vantagens indevidas, a pedido de apadrinhados políticos ou de pessoas poderosas ligadas ao próprio sistema".

Entre janeiro de 2006 e abril de 2011, a Urbana manteve 82 subcontratos, para uso de mais de 100 caminhões e máquinas pesadas. Esses contratos possuíam vigências diversas e somaram R$ 14.256,223,87, de acordo com a estimativa global publicada nos extratos. Para saber efetivamente quanto desse valor foi pago, o MPE solicitou a Urbana as guias de pagamento.
Parte das ordens de pagamento já estão com o MPE. Os promotores denunciam, de acordo com documentos recebidos e depoimentos colhidos, que "no papel os equipamentos eram locados pela Trópicos, mas no mundo real são máquinas e pessoal à serviço da Urbana, usando o famoso "jeitinho", para não fazer licitação, para não se arcar com as obrigações trabalhistas e previdenciárias e, o mais grave para contratar quem eles quiserem".
Os caçambeiros eram subcontratados pela Trópicos, com anuência da Urbana, que efetivava os pagamentos. Os promotores dizem, ainda, que para contratação "bastava que a Urbana indicasse à Trópicos (que sendo dela contratada não iria, obviamente, se opor) quais equipamentos e pessoas ela deveriam contratar". Na ação, os promotores questionam o fato de os contratos e subcontratos terem sido renovados, automaticamente, a partir de aditivos. A única licitação de contratos ocorreu há sete anos.
Parte dos subcontratos da trópicos teve prorrogação até janeiro deste ano e  outros até dezembro de 2010, de acordo com documentos que integram a ação.  Nesse material, que foi remetido pela Urbana ao MPE, ainda não constam todos os aditivos publicados. Até ontem, o MPE aguardava a remessa de mais aditivos, principalmente, os publicados até março deste ano. 
Por isso, não fica claro quantos contratos realmente foram aditivados e estavam sendo operacionalizados. Hoje, os promotores que tocam a ação concedem coletiva à imprensa. O MPE não antecipou o assunto que será tratado. Até ontem, não havia despacho novo na ação.
Ainda esta semana, a companhia publica o distrato de 48 contratos, cuja vigência iria de março a dezembro deste ano. Além disso, a Urbana fará, até sexta-feira, a contratação temporária emergencial de 40 caçambeiros, por meio da Cooperativa de Caçambeiros de Natal, e de mais 39 caçambeiros independentes, que possuem registro de pessoa jurídica, e que não fazem parte da cooperativa.
A direção da Urbana está dando prioridade para contratação aos caçambeiros que já estavam com contratos em vigor, até porque existem débitos pendentes, segundo informou o coordenador do Núcleo de Ordenamento Urbano, da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, Sérgio Pinheiro, que atualmente responde pela Urbana.
Segundo informações do setor de contratos,  este ano a companhia pagou cerca de R$ 2,072 milhões a caçambeiros subcontratados. Esse pagamento refere-se a apenas 40% do que é devido aos subcontratados. Em janeiro, a Urbana pagou R$ 592 mil; em fevereiro, R$ 560 mil; em março, R$ 554 mil e em abril, 366 mil. Nesse mês, o valor foi menor porque muitos caçambeiros pararam as atividades, devido ao atraso no pagamento.


Parentes de dirigentes do Sindlimp entre os contratados


Entre janeiro de 2006 e abril de 2011, pelo menos, três parentes diretos de dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores na Limpeza Urbana (Sindlimp) mantiveram subcontratos, vinculados à empresa Trópicos. São eles: Willyam César Araújo, Aracelly Dantas de Araújo e Ary Pereira Dantas. Este último é irmão de Fernando Lucena, presidente do Sindlimp e vereador do Partido dos Trabalhadores. 
Em entrevista à reportagem da Tribuna do Norte, Willyan César, que é primo de Lucena, negou que qualquer influência de parentes ligados à Urbana para facilitar os contratos. "Entrei na Urbana há dez anos, quando teve licitação para contrato direto. Ainda era por pessoa física, depois quando encerrou a vigência dos contratos fui jogado para os subcontratos", declarou Willyam. 
Ele tem duas empresas registradas em seu nome - a WC Duarte ME e a Talimpo. A mulher dele, Aracelly Dantas de Araújo chegou a manter 12 caminhões locados à Urbana, por meio de subcontrato com a Trópicos. "Nós fomos deixando de operar a partir de julho de 2010 e no ano passado, por causa dos atrasos nos pagamentos", afirmou Willyam. Ele disse que a esposa entrou na Urbana, no mesmo período, durante a licitação para locação de veículos para coleta seletiva. 
"Tem meses não temos mais nenhum carro para a Urbana", assegurou. Willyam disse que não tem interesse em participar da licitação que deve ser lançada pela Urbana, por causa do histórico de atrasos nos pagamentos e porque não trabalha mais para o serviço público. Outra pessoa ligada ao presidente do Sindlimp é Ary Pereira dos Santos, irmão de Lucena. O contrato dele vigorava desde 2007, no valor global de R$ 44 mil, e está entre os que serão cancelados esta semana.
A reportagem da Tribuna do Norte foi até o local onde fica a empresa de Ary Pereira, em Parnamirim, na sexta-feira, 03, e permaneceu lá por duas horas, entre 8h e 10h. O local estava fechado e uma vizinha informou que a pessoa que trabalha para Ary tinha saído logo cedo. Por várias vezes, ontem, a reportagem ligou para os telefones de contato da empresa e para o pessoal, mas ele não atendeu.

Servidor da Urbana estava no esquema da "quarterização"

O acompanhamento na prestação do serviço de coleta, com falta de controle e fiscalização falha, favorecia todo tipo de fraude, segundo os promotores do Meio Ambiente e do Patrimônio Público. Na ação,  o MPE solicitou a Urbana a lista de todos os servidores da companhia. Até ontem, esse material não estava incorporado à ação. Na semana passada, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE chegou a Maria Sônia Maximino dos Santos, que reside no Bom Pastor.
O marido dela Edmilson Varela dos Santos é servidor da Urbana. Abordada em sua casa, no bairro Bom Pastor, Sônia, afirmou: "o contrato é no meu nome, mas quem cuida é o marido", disse ela. Sônia forneceu o número do celular de Edmilson, dizendo ser difícil encontrar o marido em casa, devido ao trabalho. Entre a sexta-feira e ontem a reportagem da TN  ligou várias vezes, mas ele não atendeu ao celular, nem retornou às ligações.
Sônia tem empresa registrada em seu nome e mantinha subcontratos com Trópicos desde 2008, com locação de três caminhões. Ao longo de três anos, o valor global do contrato era de R$ 506.923,19. Os dois termos da empresa estão entre os que serão cancelados pela Urbana. Vários depoimentos também evidenciaram as suspeitas de "tráfico de influência".  Esse tipo de situação está explícito no depoimento de uma das testemunhas ao MPE. 
Um servidor da Urbana, José Florêncio Rodrigues, declarou que "os caminhões que fazem esse serviço são propriedade dos próprios motoristas e não de empresas, sendo alguns de propriedade de funcionários da própria Companhia". Ele disse ainda que "as máquinas são alugadas a empresas e o Chefe de Gabinete, a pessoa chamada Bertone, é filho do dono de empresa contratada". 
A pessoa em questão é Bertone Luiz Marinho que ocupou a chefia de Gabinete da Presidência da Urbana entre janeiro de 2009 e março 2021. Bertone é irmão da deputada Gesane Marinho, e filho do ex-prefeito de Canguaretama, Jurandir Freire Marinho. Em nenhum dos contratos já anexos à ação, consta empresa que tenha como sócio seu pai. Na Urbana, ninguém soube informar se realmente existia ou existe esse contrato. Mas, segundo a reportagem da TN apurou, atualmente, Bertone possui, pelo menos, dois carros agregados à Urbana. A fonte que passou a informação não soube informar o nome da empresa.

Lucena afirma: "Não tenho nada a ver com contratos "

O presidente do Sindlimp e vereador do PT, Fernando Lucena, foi categórico e negou veementemente qualquer influência direta ou indireta nos contratos do primo Willyam César, da mulher deste, Aracelly Araújo e de seu irmão Ary Pereira. "Nem teria como, porque minha relação com a direção da Urbana sempre foi muito ruim. Não tenho nada a ver com esses contratos. Se eles estão lá é por outros meios", afirmou.
Lucena disse ainda que "há anos, todos os meus inimigos dizem que tenho caçambas alugadas e lucro com o lixo. Lançaram até um panfleto na campanha passada dizendo que sou 'homem rico do lixo'. Não tenho nada a esconder. Essa é uma oportunidade histórica para o Ministério Público investigar e provar que tudo não passa de insinuações ", argumentou.
Ele considera que "todos os subcontratos são irregulares, sejam eles de quem for". Há quase 20 anos à frente do Sindlimp, Lucena afirmou que a "quarterização" era uma porta para a ilegalidade. "A Trópicos não quer o serviço, joga para o subcontrato e é ai que está a ilegalidade, o superfaturamento, a influência política e o arrumadinho. Todos os contratos, sem exceção, tinham indicações". 
Lucena confirmou ainda que "muitos servidores colocam laranja para assumir contratos" e que, por isso, é difícil provar. E completou "se mexer nisso, com certeza vai aparecer muitos contratos desse tipo". Nos últimos dias, Fernando Lucena e seu vice, Wilson Duarte, foram contrários à intervenção e ameaçaram greve caso a justiça viesse a determinar um interventor para a Urbana. 
Ontem, Lucena afirmou que não é  contra a intervenção. "O problema é que o processo não está transparente. Porque o MPE não faz um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o sindicato, garantindo que não vai propor o fechamento da empresa e a demissão de servidores? Nossa preocupação é preservar o emprego dos trabalhadores. Se houver isso seremos favoráveis à intervenção, mas sem isso, vamos parar a coleta nessa cidade", voltou a ameaçar. 
Ele citou duas CEI - Comissão Especial de Inquérito, a de 1992, que resultou na demissão de 507 trabalhadores e a de 1998, quando foi proposto o fechamento da Urbana. Hoje a companhia tem 1.407 servidores, dos quais quase mil no setor operacional (820 são garis).
O coordenador do Núcleo de Ordenamento Urbano, da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), Sérgio Pinheiro, não chega a ser categórico, mas reconhece que as irregularidades levantadas pelo MPE poderiam sim ocorrer. "Não digo que os promotores estão certos em fazer juízo de valor, mas as irregularidades levantadas eram possíveis de acontecer", disse.
Ponderado, Sérgio Pinheiro acrescentou que não acredita "em favorecimento para que determinadas pessoas tivessem vantagens indevidas ou ilícitas". Mas, afirmou claramente que, por amizade com diretores da Urbana e políticos, muitos proprietários de empresas conseguiam fechar contratos e agregar caminhões. 
"Se o presidente da Companhia chegava para a Trópicos e dizia que tais e tais caminhões deviam ser agregados, a empresa contratava", afirmou Sérgio Pinheiro. Ele não chegou a citar nomes, nem de dirigentes, nem de empresas. Foi categórico ao falar do futuro da Urbana. "Agora não vai mais ter isso. Acabou, vamos fazer licitação e a escolha será a mais transparente possível", prometeu.  Ele espera concluir a nova licitação para contratação de locação de veículos para coleta de resíduos sólidos em até três meses.

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